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APRENDENDO A LIBERDADE

Atualizado: 28 de abr.


Aprendendo a Liberdade

Jorge Carreira Alves, professor

 

Se todos já sabíamos que algo iria acontecer naquele início de ano de 1974, com a publicação do livro “Portugal e o Futuro” de António de Spínola, com o golpe fracassado de 16 de março, algo teria que forçosamente acontecer, já que o regime político em que se vivia dava mostras de estar completamente definhante, sem rumo nem objetivos. Se todos desejávamos que algo mudasse, quando se deu a revolução do 25 de abril de 1974, ninguém estava preparado para as novas regras da democracia e para o que significava viver em liberdade.

Para mim, com os meus catorze anos cheios de ignorância e ingenuidade, o  primeiro embate que me acordou para a nova realidade foi constatar que, o contrário da ditadura fascista não era o comunismo, já que, nessa época de medos e repressão, quando se falava de alguém que tinha posições contrárias ao regime, logo se dizia que seria comunista, não conhecendo eu outras nuances políticas e outras opções que pudessem existir, como se a sociedade fosse a “preto e branco”, de um lado os bons, do outro lado os maus, de um lado os fascistas, do outro os comunistas. Daí, ser para mim estranho começar a ouvir falar em democracia e em todos esses termos associados a esse conceito. Um outro ensinamento que tive, logo no dia a seguir ao do golpe de estado que se tinha operado, sucedeu quando ouvi o primeiro discurso político de um colega, um jovem da minha idade que frequentava o mesmo liceu onde eu estudava, mas que eu ainda não tinha conhecido, o futuro dirigente Miguel Portas, que, apenas empoleirado sobre um banco comprido, ensinava aos colegas que o rodeavam que não se iludissem, que aquela revolução não tinha aberto o caminho para a sociedade perfeita, porquanto era apenas uma revolução burguesa que não acabaria com a exploração do homem pelo homem, nem instituiria a sociedade socialista.

Se, ao princípio, tudo aquilo me provocara grandes dúvidas e incertezas, logo a seguir, a minha curiosidade fez com que eu começasse a participar nas inúmeras reuniões que diariamente se realizavam (RGA – reuniões gerais de alunos, meetings – reuniões realizadas de forma espontânea e sem aviso prévio, reuniões da associação de estudantes recém-formada com a intervenção fundamental e esclarecedora de uma organização de estudantes que aparecera em força nas escolas secundárias – “o MAEESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa). Com este, íamos aprendendo as regras do convívio democrático: como presidir a uma reunião, como organizar as intervenções dos participantes, como elaborar propostas, moções e resoluções… tentando organizar o caos de tantos que tanto julgavam saber e tanto queriam dizer!

E, com muitos erros, muitas confusões, muitos avanços e muitas certezas derrubadas fomos aprendendo aquela nova liberdade, aquela nova forma de conviver, tentando encontrar os novos caminhos que nos conduziriam à sociedade que julgávamos perfeita.

Como curiosidade, diga-se que estas regras de uma democracia que nunca tínhamos vivido também nos eram ensinadas pela televisão, tendo havido programas em que se apresentavam precisamente estas normas de organização de reuniões, de elaboração de propostas, de organização de debates e discussões…

Portanto, cinquenta anos passados, ao observar o que se viveu nesses gloriosos tempos pós 25 de Abril de 1974, continuo a pensar que, felizmente, fomos bastante privilegiados ao aprender estas regras da convivência democrática, mesmo que muitas vezes elas possam ter levado a alguns excessos, a outras grandes injustiças, mas e sobretudo, abriram-nos horizontes, fizeram-nos pensar, fizeram-nos agir e participar, o que é a maior prova de se viver plenamente a nossa cidadania.

E agora, cinquenta anos passados, ainda estamos dispostos a continuar a aprender?

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