“Café com Livros”: A Liberdade, em diálogo entre gerações
Jorge Alves, professor da equipa da Mediateca
Mais uma vez, mantendo uma tradição que a equipa da Mediateca da escola Calazans Duarte já criou há nove anos, nas instalações da antiga resinagem, no passado dia 22 de março, decorreu o “Café com Livros”, desta vez celebrando os valores de Abril, na comemoração do 50.º aniversário da Revolução dos Cravos.
Se o tema deste encontro era aliciante, a resposta que obtivemos com a participação dos alunos do nosso agrupamento, assim como a dos convidados especiais que vieram enriquecer este encontro com os seus depoimentos, não desiludiu as expectativas criadas, podendo, quem veio assistir a este evento e lotou aquelas salas das instalações deste espaço cultural, deliciar-se com magníficas interpretações musicais, com expressivas leituras de poemas de escritores marcantes da resistência à ditadura, havendo ainda harmoniosos momentos de dança, assim como uma significativa representação de um fragmento de uma peça de teatro, pelo nosso grupo “CalaBoca”: “Terror e Miséria do Terceiro Reich”, de Bertolt Brecht, terminando com uma saborosa surpresa elaborada pelos nossos alunos do Curso de Cozinha e Pastelaria, que nos brindaram com sabores tradicionais da nossa gastronomia, numa recriação do que se comeria em algumas regiões há cinquenta anos.
Se, através das músicas de José Afonso e dos poemas de Manuel Alegre, Ary dos Santos, Jorge de Sena, Maria Teresa Horta, Sophia de Mello Breyner Andresen, José Jorge Letria, José Fanha e Miguel Torga relembrámos a força dos que resistiam e nos iluminavam as vontades para combatermos a ditadura, a repressão e os medos, os diálogos que se estabeleceram entre alguns dos nossos alunos e os convidados que viveram as dificuldades e os constrangimentos de uma sociedade demasiadamente controladora e moralizadora foram bem mais esclarecedores, porquanto revelaram, na primeira pessoa, muito daquilo que muitos querem fazer esquecer ou que querem dourar, como se fosse um tempo de maior harmonia, concórdia e paz social.
Foi deveras significativo ver como Laura Pereira, uma jovem de 17 anos, tem consciência das conquistas que as mulheres obtiveram com o 25 de abril, assim como o que é preciso continuar a lutar, para não as perder e para levar a que elas conquistem o lugar que merecem na nossa sociedade. Por seu lado, o depoimento da sua avó, a nossa ex-colega Helena Rocha, foi bastante elucidativo do modo como as pessoas tinham de se sujeitar à força e aos ditames das instituições que mandavam no país, assim como, através da inteligência e da astúcia, as podiam ultrapassar, ou, pelo menos, atenuar a força do seu poder. Por seu lado, o diálogo entre o nosso aluno Santiago Pedrosa e Carlos Franco, presidente da Associação Recreativa da Cumeira, foi bastante esclarecedor, demonstrando a força das associações populares de cultura e recreio numa época em que as manifestações culturais eram bastante controladas e reprimidas, constituindo esses clubes e associações, em muitas terras da província, os únicos locais de difusão cultural, sobretudo nas suas formas mais populares e tradicionais. Também, através do diálogo entre Diana Barros e Odete Marques, funcionária de uma livraria marcante da nossa cidade, se revelou perfeitamente o clima de medo que se vivia, com a repressão da PIDE e da censura, falando do modo como se tinham de esconder os livros proibidos e tentar ludibriar a vigilância daquela polícia repressora. De igual modo, foi bastante significativo o diálogo entre o Diretor do nosso agrupamento, Prof. Cesário Silva, e o Diretor-Júnior, Tomás Ricardo, em que se manifestaram as diferenças entre a inexistente participação dos alunos na gestão das atividades escolares, antes do 25 de Abril, e o que acontece na atualidade, nomeadamente no nosso agrupamento escolar, através do cargo de Diretor-Júnior, que promove uma maior aproximação dos estudantes às estruturas da gestão das nossas escolas. Ainda foi possível assistirmos ao relato curioso do modo como o Diretor do agrupamento teve conhecimento do 25 de Abril de 1974, na sua longínqua escola em Vila Real de Santo António. Por fim, aproveitando a presença do atual Presidente da Câmara da Marinha Grande, conhecemos algumas mudanças que, parecendo pouco significativas, revelaram que muitas coisas se iriam transformar na nossa sociedade; daí o simbolismo de, naqueles primeiros dias após a revolução, os alunos terem tido a coragem de entrar pela porta principal da escola, ou de, gozando de uma liberdade que até então não conheciam, se permitirem alguns excessos fruto da sua profunda inexperiência, ignorância e ingenuidade.
Sem dúvida que, mais uma vez, o Café com Livros” constituiu um momento marcante da nossa atividade cultural, sendo um evento onde a música, a poesia, a dança e o teatro, para além da gastronomia, se celebraram, ao celebrar os valores de abril, ao invocar as lutas contra a ditadura, a opressão, a censura e o medo, com a firme certeza de que, apesar das nuvens que parecem querer enegrecer o nosso horizonte de esperanças, em busca de uma sociedade mais justa, mais igualitária, mais inclusiva, temos nas novas gerações, em muitos dos estudantes do nosso agrupamento escolar, muita gente que quer continuar a lutar pelos valores que a tantos custou tantos sacrifícios: os valores da democracia, da liberdade, da fraternidade entre todos os povos, da justiça, da paz e da igualdade.
E, desta forma, saímos deste riquíssimo evento cultural com a certeza de que abril continuará vivo nas vontades e na força criadora das novas gerações.
25 de abril, sempre!
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