Três perguntas para… professor mais velho da escola Calazans Duarte
Armando Severino, professor
1. Tendo ainda uma idade muito jovem quando se deu o 25 de Abril de 1974, diga-nos que consciência teria das restrições impostas pelo regime ditatorial em que vivíamos e do medo que as pessoas sentiriam.
Em abril de 1974, vivia há alguns anos nas Caldas da Rainha, trabalhava numa empresa metalomecânica durante o dia e estudava à noite, nos meus 19 anos de idade, pautados por enorme curiosidade e sedento de mais conhecimento, frequentando o primeiro ano, nas então designadas Secções Preparatórias Industriais, na atual Escola Rafael Bordalo Pinheiro.
Desde o ano de 1972 comecei a frequentar iniciativas na Casa da Cultura da cidade e, através delas, conheci diversas pessoas ligadas ao meio da oposição ao regime e desta forma fui tomando conhecimento da existência de problemas pouco visíveis, como a repressão e a existência de presos políticos, nomeadamente no vizinho forte de Peniche. Assim, fui consolidando a minha consciência sobre as restrições impostas pelo regime ditatorial e o rasto das consequências decorrentes, como o subdesenvolvimento do país, o analfabetismo, a guerra colonial e a falta de liberdade. Recordo ainda o meu entusiasmo e participação no comício da CDE , no desaparecido Teatro Pinheiro Chagas, nas eleições ditas “livres” de 1973, apesar da “discreta” mas óbvia presença da polícia política (PIDE).
2. De que forma viveu os primeiros tempos da revolução e desde quando teve consciência de que esta tinha provocado grandes transformações na nossa sociedade?
No dia 25 de abril, a caminho do emprego, cedo me apercebi de que algo importante estava a decorrer no país, visto que a rádio emitia a música que era proibida e que só ouvíamos nos círculos restritos da oposição. Ainda cheguei a entrar na empresa, mas cedo saímos para a rua e recordo que da expectativa inicial, ao longo do dia, fomos passando para um estado de alegria, entusiasmo e euforia, à medida que se foi clarificando a natureza e objetivos da revolução. A partir deste dia, envolvi-me nas mais diversas atividades políticas, tomando cada vez mais consciência de que estava a viver e a experienciar mudanças estruturais profundas na sociedade portuguesa, da qual destaco o papel da Escola Pública na educação, com a sua abertura a todos os jovens, sem limitações.
3. Se lhe dessem a hipótese de estar com algumas das pessoas que participaram no 25 de Abril de 1974 ou nos tempos revolucionários que se lhe seguiram, diga-nos quais seriam as três que convidaria para almoçarem consigo e quais os assuntos que gostaria de abordar nessa conversa.
Diria que nos dois anos seguintes ao 25 de abril, nas múltiplas atividades em que estive envolvido, conheci um sem número de pessoas dos mais variados quadrantes políticos, pelo que este exercício hipotético de selecionar três delas para um almoço nos dias de hoje se torna um tanto difícil. Assim, num dos muitos exemplos possíveis, convidaria o meu amigo Mário Xavier, das Caldas, uma espécie de meu iniciador no mundo da política antes de abril de 74; o meu amigo Vitalino Sousinha (já na Marinha Grande), de convicções políticas inabaláveis desde então; e o Cid Manata Pires, companheiro de muitas aventuras/peripécias no conturbado ano de 1975. Os temas desta possível conversa passariam por discutir quatro temas: se as transformações ocorridas no nosso país (estamos incomparavelmente melhores do que então) corresponderam aos objetivos e alcance do que então sonhamos; como passámos de expetativas altas na utopia de um mundo cada vez mais solidário, mais justo, de maior igualdade e fraternidade, para, passados cinquenta anos, o mundo estar cada vez mais desigual, com maiores injustiças, onde impera cada vez mais a intolerância e o extremismo político sectário e religioso e onde avançam nas mais variadas latitudes os retrocessos civilizacionais; no consumo desenfreado e a gritante desigualdade na partilha dos recursos naturais, que estão a levar a humanidade para becos sem saída; e, por último, as implicações na utilização massiva das ditas “redes sociais”, na sua contribuição negativa para a disseminação da visão do mundo a duas cores (preto ou branco), do ódio ideológico/religioso, da falsa informação, etc.
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