Três perguntas para… ativista político, professor, diretor do Tócandar
Paulo Tojeira
1. Tendo ainda uma idade muito jovem quando se deu o 25 de Abril de 1974, diga-nos que consciência teria das restrições impostas pelo regime ditatorial em que vivíamos e do medo que as pessoas sentiriam.
Não nos podíamos juntar legalmente; tínhamos de camuflar ou esconder as nossas opiniões; a presença da PIDE era constante; vivíamos com o espectro da guerra colonial, onde iríamos parar mais ano menos ano…
Mas conspirávamos na sombra! Muitas portuguesas e portugueses pagaram com a privação da liberdade e em muitos casos com a própria vida a sua oposição ao regime fascista. A sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso, as prisões políticas de Caxias e de Peniche, o Campo de Concentração do Tarrafal, a prisão de Angra de Heroísmo, eram pontos de passagem e de encarceramento dos resistentes ao fascismo. Vivíamos numa ditadura terrorista dos monopólios e dos latifúndios!
Lembro-me de ter participado nos protestos contra as pseudo-eleições em 1973, de termos sido identificados e de, a partir desse dia, estar à frente do Liceu de Leiria um carro da PIDE para intimidar…
2. De que forma viveu os primeiros tempos da revolução e desde quando teve consciência de que esta tinha provocado grandes transformações na nossa sociedade?
Após o 25 de Abril de 1974, senti que, pela primeira vez, o povo estava na “mó de cima”!
Já não iríamos para a guerra colonial! Foram libertados os presos políticos! Estive na libertação em Peniche. Fomos a Leiria, à sede da PIDE e, através da consulta aos relatórios dos informadores, conseguimos perceber quem eram os infiltrados nas nossas organizações, na Marinha Grande. No MJT (Movimento da Juventude Trabalhadora) estava infiltrado um informador com o pseudónimo “Azurara”; no PCP, estava infiltrado um informador com o pseudónimo “Amélia”. Ambos foram identificados e foram entregues ao MFA, para serem detidos e julgados. A justiça foi branda com todos estes criminosos…
A revolução provocou muitas alterações na sociedade! Para além da já referida libertação dos presos políticos, foram dissolvidos os órgãos do poder fascista e uma série de organizações fascistas (a PIDE, a ANP – o partido fascista, a Mocidade Portuguesa, a Legião Portuguesa, o Movimento Nacional Feminino, etc); foi o fim da guerra colonial e a independência das colónias; foi a conquista das liberdades de expressão, de reunião, de associação, de manifestação, de imprensa; foi a instauração do regime democrático e a livre formação de partidos políticos; foram as eleições livres e o direito de voto para todos, aos 18 anos; foi a conquista da liberdade sindical e do direito à greve; foi a conquista do direito à educação para todos, pública, gratuita e de qualidade; foi a conquista do salário mínimo nacional, do direito a férias pagas e do 13.º mês; foi a conquista do direito à licença de maternidade; foi a consagração do direito à saúde, com a criação do SNS (Serviço Nacional de Saúde) universal, geral e gratuito; foi a nacionalização da banca, dos seguros e de empresas estratégicas para o desenvolvimento nacional; foi a reforma agrária; foram tantas coisas mais… Ouvi de vários operários da Marinha Grande e de camponeses alentejanos dizerem que “nunca vivemos tão bem!”
As forças fascistas depostas nunca deixaram de minar a vida política e as conquistas da revolução, organizadas no MDLP, o ELP, o MIRN, etc., coligadas com a embaixada do Reino Unido e o M16 (Secret Intelligence Service), com a embaixada dos EUA e a CIA e com altos dirigentes do PS, do PPD/PSD e do CDS.
Lamentavelmente, 50 anos depois, muitas destas conquistas foram revertidas…
Mas valeu a pena! Tive o privilégio de participar em momentos exaltantes da nossa história! Em conjunto com alguns amigos, formámos um grupo musical (Grupo Estrela Vermelha) e participámos por todo o país em concertos de canto livre.
Abril abriu a possibilidade de fazer a minha formação académica na Bulgária e de fazer irmãos nos quatro cantos do mundo!
3. Se lhe dessem a hipótese de estar com algumas das pessoas que participaram no 25 de Abril de 1974 ou nos tempos revolucionários que se lhe seguiram, diga-nos quais seriam as três que convidaria para almoçarem consigo e quais os assuntos que gostaria de abordar nessa conversa.
Um deles seria o General Vasco Gonçalves. Fui encarregado uma vez de o transportar para algumas atividades. E recordo a paixão com que falava de tudo o que tinha conseguido realizar enquanto primeiro ministro de Portugal…
Estaria também à mesa o Capitão Salgueiro Maia…
No topo da mesa, haveria de sentar o meu querido camarada Álvaro Cunhal…
A todos quereria perguntar: onde é que nós falhámos, para que Abril não se cumprisse?
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