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ETELVINA ROSA

Atualizado: 28 de abr.


Três perguntas para… antiga dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira

Etelvina Rosa

 

1. Tendo ainda uma idade muito jovem quando se deu o 25 de Abril de 1974, diga-nos que consciência teria das restrições impostas pelo regime ditatorial em que vivíamos e do medo que as pessoas sentiriam.

A 25 de abril de 1974, tinha 18 anos. Descrever o medo existente é difícil, porque a opressão era de tal forma que não existiam conversas abertas nas famílias. As coisas mais simples, como falar das dificuldades da vida, da fome que se fazia sentir nas casas de muitas famílias, tinha de se ter total confiança na pessoa e olhando sempre para o lado, não estivesse alguém a ouvir, pois, os chamados “bufos”, com um singelo, comentário poderiam implicar uma denúncia, inquérito e tortura da PIDE. Conversas que hoje nos parecem normais na época eram consideradas subversivas, um atentado ao poder dominante. Não podemos esquecer que três pessoas a conversar, para a PIDE, era uma conspiração e eram levadas a interrogatórios.

Na minha infância e adolescência, recordo duas situações que aconteciam algumas vezes no ano: uma era estarmos a conversar em casa e o meu pai ir junto da porta verificar se estaria alguém a ouvir (lembrar que há 50 anos em casa não tínhamos televisão e poucas famílias tinham rádio). Era normal os meus padrinhos, que não tinham filhos, depois de jantar, virem a minha casa quase todas as noites e pelas 21h mais ou menos iam embora. Por vezes a minha madrinha voltava a bater-nos à porta pelas 23h e perguntava à minha mãe se não tinha uma sopa, porque tinham chegado visitas. Eu, de manhã, ia a casa dela e nunca via ninguém. Só depois do 25 de Abril fiquei a saber que eram os comunistas que se encontravam na clandestinidade, que ali passavam a noite, comiam e seguiam (porquê, aquela casa e não outra? porque era da irmã de José Gregório, destacado dirigente do PCP). Era fundamental o sigilo, para não pôr em causa a vida dos camaradas.

Ou seja: eu, que vivi em pleno fascismo, só percebi a sua verdadeira dimensão após o 25 de Abril de 1974.   

 

2. De que forma viveu os primeiros tempos da revolução e desde quando teve consciência de que esta tinha provocado grandes transformações na nossa sociedade?

Tive consciência da mudança mesmo no dia 25, a alegria dos trabalhadores que saíram das fábricas e foram para a rua gritar: “Liberdade”, “o Povo Unido Jamais será Vencido”…

Nos três dias seguintes, a comunicação social (sem o lápis azul) dava conhecimento do país real e informava em direto a abertura das prisões e entrevistava homens e mulheres que passaram anos da sua vida na prisão e tudo fizeram para que chegasse o dia com a liberdade de expressão!

O 1.ºde  Maio, dia do Trabalhador de 74, foi memorável, diria eu que praticamente ninguém ficou em casa: todos as ruas cheias de pessoas, dando vivas à Liberdade e abraçando-se, finalmente, livres da Ditadura!

No Sindicato Vidreiro, logo a 26 de abril, constituiu-se uma Comissão Administrativa, com os trabalhadores. Todos os dias se organizavam e discutiam quais as reivindicações para conquistar o direito a viver com dignidade.

Com o Povo e o MFA foram criados laços de interajuda que nos dias de hoje é difícil transcrever: foi o abrir estradas, levar a água a casa, a luz elétrica, que hoje é banal, mas na altura não existia em muitas vilas e aldeias.

A estagnação a que Portugal esteve sujeito em 48 anos de ditadura teve avanços gigantes nos primeiros meses após abril com a criação de condições básicas para viver. Referir que em junho de 1974 foi implementado o Salário Mínimo Nacional de 3,300$. Para muitos trabalhadores correspondeu ao dobro do que recebiam até ali. Muito haveria para dizer! A evolução sentia-se todos os dias. É fundamental não esquecer o fim da guerra, nomeadamente em Angola, Moçambique e Guiné. Na minha opinião, um dos principais objetivos dos Capitães de Abril ao fazerem a Revolução era o de acabar com uma guerra injusta onde tinham morrido muitos jovens e outros ficaram com graves problemas de saúde para sempre, e que, muitas vezes, para além dos efeitos diretos na pessoa, criaram graves situações familiares.

 

3. Se lhe dessem a hipótese de estar com algumas das pessoas que participaram no 25 de Abril de 1974 ou nos tempos revolucionários que se lhe seguiram, diga-nos quais seriam as três que convidaria para almoçarem consigo e quais os assuntos que gostaria de abordar nessa conversa.

Não é fácil escolher, muitas pessoas me marcaram, não só as que pelas suas atividades ficaram conhecidas, mas também muitas que, com o seu trabalho invisível, contribuíram para o avanço cívico do nosso Concelho e do nosso País.

Escolhia eventualmente, Álvaro Cunhal, Vasco Gonçalves, Joaquim Gomes (Marinhense).

A Álvaro Cunhal e a Joaquim Gomes, com toda uma vida de luta em que o terem sido presos e torturados não os inibia de continuarem a organizar a luta, perguntaria: “conhecendo o Regime totalitário e a luta organizada pelo seu fim, teriam a perspetiva do seu derrube em 1974”? Isto, até porque a 16 de março os Capitães realizaram uma primeira tentativa.  Em minha opinião estaria iminente, porque, apesar da brutal repressão de que o povo era alvo, as fragilidades do regime eram visíveis.

Pergunta para os três: “sabendo que foram também construtores dos avanços a todos os níveis da sociedade, como veem os dias de hoje, onde a fraternidade e solidariedade é menor e o individualismo prevalece? como é possível termos posto em causa direitos básicos nas últimas décadas, depois de tanta luta, como a Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação”?

A Vasco Gonçalves, como 1º Ministro em Governos provisórios de julho 1974 a setembro de 1975, que impulsionou uma revolução na lei, especialmente a laboral, direito à contratação coletiva, a férias e a subsídio de férias, a subsídio de Natal, a maternidade, entre outros, tendo sido esta a legislação mais progressista nos direitos fundamentais dos trabalhadores em Portugal, perguntava: “como chegámos a um tempo em que muitos trabalhadores trabalham anos e anos num posto de trabalho permanente, não pela empresa na qual trabalham, mas contratados por uma prestadora de serviços, com toda a instabilidade que daí resulta e com a incerteza no futuro que dificulta o constituir família”? “Também a Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de abril de 1976, é uma conquista civilizacional nos direitos essenciais. Sabemos que nem sempre cumprida. Por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde, que sucessivos governos deixaram degradar. Na sua opinião, passados 50 anos do 25 de Abril, terá sido a falta de respostas às principais necessidades da população que pode ter levado muitos portugueses a votarem em forças de bloqueio autoritárias, que fazem promessas, mas que na sua essência pretendem voltar ao passado de cariz reacionário”?

Viva o 25 de Abril! Por um Portugal com futuro!

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