Histórias perdidas: A defesa do legado de Abril
Artigo de opinião
Santiago Pedrosa, aluno (10.º C) e investigador autodidata
O 25 de Abril de 1974, um marco histórico para o nosso país, foi há 50 anos! Trouxe, entre muitas coisas, a nossa liberdade. Porém, não podemos falar apenas do 25 de Abril, temos de entender tudo o que se passou nas décadas anteriores.
As dificuldades herdadas da Primeira República e a grande instabilidade política, nomeadamente desentendimentos entre os partidos políticos (eu sei, muito atual), faziam cair sucessivos governos e presidentes. O 22.º Governo Republicano nem um dia durou. Tomou posse no dia 15 de janeiro de 1920 e foi dissolvido no mesmo dia, sendo conhecido como “O Governo dos 5 minutos”.
Isto levou ao golpe militar de 28 de maio de 1926, encabeçado pelo general Gomes da Costa, que impõe a ditadura. É dissolvido o Parlamento e imposta a censura prévia à imprensa. São demitidas as vereações municipais. Inicia-se a perseguição policial terrorista às organizações e militantes democráticos e sindicais. A tipografia do órgão da CGT, A Batalha, é assaltada e destruída. Centenas de dirigentes operários são presos. As sedes da CGT e do PCP são encerradas.
A fascização do estado avança, tomando como modelo o fascismo de Mussolini e, mais tarde, o nazismo de Hitler. É progressivamente abolido o horário de trabalho de oito horas. O direito à greve é suprimido. Todos os partidos são ilegalizados ou extinguem-se. É criado o partido único fascista (União Nacional). É criada a polícia política PVDE (mais tarde denominada PIDE e depois DGS). A 19 de março de 1933 é proclamada a Constituição fascista. Em 1934 é promulgado o Estatuto do Trabalho Nacional, inspirado na Carta del Lavoro do fascismo italiano e são proibidos os sindicatos livres e novos são criados para poder controlar a classe operária.
É contra esta lei que se organizam as lutas a 18 de janeiro de 1934, que tiveram grande projeção na Marinha Grande. São criados os primeiros campos de concentração, como por exemplo o do Tarrafal e o de Angra do Heroísmo.
Falar da resistência ao fascismo, e portanto a Salazar, é impossível sem referir o Partido Comunista Português, ilegalizado por cerca de 48 anos, após a instauração da Ditadura fascista. Fundado a 6 de Março de 1921, por desarticulação da Federação Maximalista Portuguesa (FPO), foi o seu primeiro secretário-geral José Carlos Rates. Em 1926 é expulso do partido e em 1929 é substituído por Bento Gonçalves. Neste ano encontrava-se o partido reduzido a menos de 50 militantes e já se considerava extinto. Bento Gonçalves refunda o partido, aplicando as ideias marxistas-leninistas, monta a primeira rede clandestina contra a ditadura militar com líderes e militantes divididos por várias células a nível nacional. Em 15 de Fevereiro de 1931 é publicada clandestinamente a primeira cópia do jornal Avante! e Bento Gonçalves é preso no mesmo ano, regressando apenas em 1933 do exílio nos Açores. Durante estes anos, vários foram torturados, mortos e exilados e o PCP desiste da luta armada como opção para derrubar o regime. Em 1936 estava o partido sob as mãos de operários jovens e sem jornal por ter sido apreendida a única tipografia.
“A Grande heresia da sociedade” (como Salazar se referia) foi dada por extinta em 1939, porém o seu fim não estava perto. Em 1942, o jovem Álvaro Cunhal e o marinhense José Gregório assumem informalmente o cargo de secretário geral e, para espanto da ditadura, realizam o III Congresso do partido, o primeiro clandestino. Volta a ser publicado o Avante! e aparecem as primeiras células de empresa. Para manter esta rede vários dirigentes e militantes vão viver para zonas rurais para escapar à polícia política. Aparece em 1943 o MUNAF (Movimento de União Nacional Antifascista), mais tarde MUD (Movimento Unitário Democrático), que têm como objetivo fazer frente a Salazar nas eleições, unindo todos os antifascistas. Porém, não dura muito e os seus membros acabam por desistir das eleições, por acharem que as condições para ganhar ao regime ainda não estavam reunidas. O MUD foi dissolvido em 1948. Após 3 anos, o IV congresso (II congresso na clandestinidade) afirma que, perante as repressões do regime, só poderá este ser derrubado com um levantamento nacional.
Nos anos 50 a PIDE finalmente apreende documentos do partido que levaram à prisão e ao assassinato de muitos antifascistas. Começam a descobrir alguns “traidores à classe operária” que eram informantes. Em 1956, no 20.º Congresso da Internacional Comunista, Nikita Khrushchev anuncia que a transição para o socialismo pode ser feita por via democrática, e deveria ser abandonada a revolução armada. O V Congresso do PCP mostra também as forças opositoras ao regime, pois anuncia e defende que os povos das colónias deveriam ser independentes. Já em 1958, Humberto Delgado concorre para as eleições nacionais e, embora ao início não fosse apoiado pelo PCP (que tem a sua própria candidatura, com Arlindo Vicente), acabou por o ser. Como é evidente, perdeu por uma esmagadora maioria, tendo obtido apenas 23% dos votos, numa evidente fraude eleitoral.
Nos primeiros dias dos anos 60 evadem-se do Forte de Peniche Álvaro Cunhal e outros, fuga que constituiu uma grande vergonha para o regime. A 31 de março de 1961 é eleito Álvaro Cunhal como secretário-geral após a prisão de Júlio Fogaça. Em 1962, no Dia do Trabalhador, ocorreram as maiores manifestações contra o regime, sempre de forma clandestina, e, nesse mesmo ano, as mulheres mostram a sua força, principalmente no Alentejo e no Ribatejo, com greves para a reivindicação das 8 horas de trabalho. No dia 8 de Maio de 1962 conseguem um acordo com os patrões exploradores, mas mesmo assim foram presas e torturadas pela PIDE, com a então recente tortura do sono. Ainda em Março de 1962, Cunhal, então na URSS, organiza um movimento e surge a rádio Portugal Livre, que começou a transmitir em onda curta para Portugal a partir da Roménia.
Após a morte de Salazar em 1968, formam-se as CDE (Comissões Democráticas Eleitorais) para lutar contra regime em 1969, e nas ultimas eleições antes do 25 de Abril no dia 28 de Outubro de 1973. Nas eleições de 1969, a CDE era composta pelos comunistas e vários outros apoiantes, enquanto a CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática) era composta por socialistas e alguns católicos, participando Mário Soares. Como esta comissão ficou em último nas eleições, em 1973, juntaram-se nas CDE e fizeram campanha contra a ANP (Ação Nacional Popular), mas desistiram antes das eleições, pois não estavam reunidas as condições para haver eleições livres. Os apoiantes das CDE foram presos, proibidos de se reunirem e quando eram permitidos comícios, a DGS (Direção Geral de Segurança) estava sempre intervinda para não se falarem em assuntos específicos, nomeadamente, a guerra colonial. É durante a primeira metade dos anos 70 que nasce o MFA (Movimento das Forças Armadas).
Sobre o 25 de Abril, já muito se sabe, mas, de forma resumida, um golpe de estado foi feito, liderado pelo MFA. Embora se fale desta revolução pacífica (que o foi), tenho de falar em algo que desconhecia e que fiquei a saber aquando da minha entrevista com o Sr. Pedro Correia. Na rua António Maria Cardoso, num edifício que atualmente é um condomínio de luxo, era a sede da PIDE. Enquanto o movimento passava por Lisboa, os manifestantes dirigiram-se para a sede e foram recebidos com rajadas de metralhadoras vindas do terraço da PIDE. Em consequência disto, cinco morreram e mais foram feridos.
Foi instaurada logo após o golpe uma Junta de Salvação Nacional, composta por militares para assegurar a governação do país. Logo após um mês, a 16 de Maio, toma posse o I Governo Provisório, tendo como primeiro-ministro Adelino da Palma Carlos. Este, porém, dura pouco e extingue-se em 11 de julho de 1974, com a demissão de Adelino.
Já em Setembro de 1974, a “Maioria Silenciosa” planeia, para o dia 28, manifestações para apoiar o presidente António de Spínola (então ainda muito afeiçoado ao regime de Salazar). Apenas dois dias antes, o presidente e o primeiro ministro, participaram numa tourada, sendo o primeiro aplaudido e o segundo vaiado. Os jovens de esquerda aperceberam-se e nas imediações do Campo Pequeno houve confrontos e manifestações. Isto tudo era muito bom para Spínola, que tentava arranjar um pretexto para concentrar todos os poderes na sua pessoa. Com as manifestações claramente fracassadas, acaba por se demitir a 30 de setembro. Cai juntamente o II Governo Provisório, que tinha tomado posse a 18 de Julho. Estava assim a reação dominada e é declarada vitória sobre a direita, fechando-se assim a primeira fase do PREC.
Seguiu-se o III Governo Provisório (30 de setembro de 1974-26 de março de 1975) e é durante este governo que se dá o golpe de 11 de março de 1975. As forças contrarrevolucionárias, apoiadas por Spínola, tinham como objetivo o assalto a várias instituições do governo e a substituição imediata dos governantes de esquerda e do MFA, e claro, do presidente da república por Spínola, que deveria declarar estado de sítio e suspenderia as liberdades democráticas. Dá-se o cerco ao Regimento de Artilharia de Lisboa por paraquedistas spinolistas, que, após fazerem um ultimato rejeitado pelo comandante do regimento, são cercados pelo povo e por militares e assim derrotados. Estava a revolta fascista acabada, e Spínola, fracassado, exila-se no Brasil.
Durante o IV Governo (26 de Março - 8 de agosto de 1975), ocorrem as primeiras eleições para a Assembleia Constituinte no dia 25 de Abril de 1975. É durante este governo que começa a Reforma Agrária. Entre março e novembro de 1975, várias instituições e mais de um milhão de hectares de terra no sul de Portugal foram nacionalizados, o que resultou na criação de cerca de 500 propriedades coletivas administradas por trabalhadores rurais. Essas ocupações visavam não apenas expandir as áreas cultivadas, mas também aumentar a produção agrícola, seguindo os princípios das Unidades Coletivas de Produção (UCPs), que priorizavam o aumento do emprego, a garantia de salários justos e a promoção da igualdade entre os trabalhadores. Esse movimento de ocupação representou uma mudança significativa nas relações de propriedade da terra, com os trabalhadores rurais organizados em cooperativas, assumindo o controlo de extensas áreas para uso na agricultura. Outrora, durante o Estado Novo, os grandes latifundiários tinham proteção e apoio legal para explorar os trabalhadores, que tinham salários baixos e viviam na miséria. Estes não tinham outra opção senão vender a sua mão de obra para o seu sustento, pois não tinham acesso aos meios de produção. As consequências da política de direita, que nas últimas décadas serviu a restauração capitalista, estão a mostrar que, no atual contexto de crise, a existência de um sector público forte é capaz de retirar o país do declínio, dos défices estruturais e da dependência estrangeira, mantendo-se com aguda atualidade.
O verão de 1975 (chamado Verão Quente) foi um tempo de ações de forças spinolistas e fascistas (ELP, MDLP, etc.) contra sindicatos e partidos de esquerda. Foram realizados centenas de atentados, incêndios e colocadas bombas, tendo como operacionais e mandantes Diogo Pacheco de Amorim (atual deputado do Chega), Cónego Melo, Ramiro Correia, Ferreira Torres, etc. O essencial desta campanha veio a terminar com o 25 de novembro. As forças que compunham a extrema esquerda propriamente dita (UDP, PRP, MES) não foram além de tentativas de buscar uma solução popular-militar, o roubo de armas do Depósito de Material de Guerra (DGME) e a ocupação do jornal República e da Rádio Renascença, que se mostrou impossível de alcançar.
O 25 de Novembro foi um golpe militar inserido no processo contrarrevolucionário. A sua preparação começou muito antes das insubordinações e sublevações militares do Verão Quente e de outubro e novembro de 1975. Teve múltiplos intervenientes nacionais e estrangeiros. Diria mais tarde o General Vasco Gonçalves acerca dos acontecimentos: “O plano não veio a ser concretizado porque a esquerda militar, o Partido Comunista e as forças progressistas não se deixaram envolver na provocação do 25 de Novembro e porque Costa Gomes chamou a si a dependência de todas as unidades militares do País”. E diria o General Pezarat Correia, que pertenceu ao Grupo dos nove: “A democracia e a liberdade vingaram, não por causa do 25 de Novembro, mas apesar do 25 de Novembro”. Disse também o General Franco Charais, igualmente do Grupo dos nove: “o 25 de Novembro não foi uma tentativa de golpe de Estado da esquerda revolucionária e/ou do PCP. Mas uma simples rebelião de para-quedistas abandonados pelas suas chefias”.
Estamos cada vez mais distantes dos princípios e valores que marcaram o 25 de Abril. Após 50 anos de democracia, observamos um crescente avanço da direita em Portugal, refletido em políticas que, em muitos casos, contrariam os ideais de justiça social e igualdade concebidos em Abril. É essencial consciencializar os jovens sobre as ideias e conquistas de Abril, não apenas no ambiente escolar, mas também no seio familiar. É preciso dizer que foram as políticas, tendencialmente de direita, implementadas pelos partidos que governaram Portugal depois de 25 de novembro de 1975, que nos trouxeram à realidade que hoje vivemos.
Muitas vezes, damos por garantidas conquistas fundamentais como a liberdade, a democracia e os serviços públicos, sem perceber que precisam ser constantemente protegidas e fortalecidas. Agora, mais do que nunca, é crucial unirmo-nos para defender o legado de Abril, promovendo a inclusão, a solidariedade e a justiça para todos os cidadãos portugueses. Viva a ABRIL!
“O 25 de Abril foi para todos, mas não é de todos. Não é de quem nunca o quis, de quem o ataca e se empenha para que Abril não se cumpra.”, Paulo Raimundo
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