O Quarto Poder e a Democracia
Jorge Alves, professor
Agora que tanto se fala na influência que os meios de comunicação social e as redes sociais têm tido na nossa sociedade, agora que tanto se fala da falta de ética promovida com a publicação de notícias falsas e com a divulgação massiva de mentiras que corroem a nossa democracia, gostaria de lembrar o papel que essa comunicação social teve, ainda muito antes da existência da “internet” e das redes sociais, para combater a ditadura e para nos esclarecer e motivar para as opções políticas e ideológicas que fomos abraçando ao longo do tempo.
Se, por um lado, os regimes autoritários e ditatoriais sempre souberam utilizar a imprensa, a rádio e mais tarde a televisão para difundirem as suas ideias e “instruírem” o povo, fazendo-o aceitar os seus desígnios, por outro lado, foi através desses mesmos meios que os resistentes a esses regimes procuraram combatê-los, ora publicando os seus manifestos em jornais clandestinos, como o “Avante”, talvez o jornal mais célebre da resistência portuguesa, ora ouvindo, à socapa”, as emissões de rádios estrangeiras (BBC, Rádio Moscovo, entre outras), ou aquelas promovidas pelos portugueses que se haviam exilado, como eram os casos da “Rádio Portugal Livre”, ou da “Voz da Liberdade” que, em emissões noturnas difundidas através da onda curta, diziam o que por cá não era permitido que se soubesse.
Porém, apesar da censura e da repressão, mesmo nos meios de comunicação social que o regime permitia que se publicassem, havia algumas formas de ludibriar e ultrapassar os constrangimentos e todo o controlo impostos pela ditadura, apercebendo-se do que, naqueles meios de comunicação havia formas de se saber algo que aqueles que estavam mais alinhados com o Governo nunca transmitiriam. Sucedia isto com o jornal vespertino “A República”, onde alguns jornalistas de nova geração tentavam fazer uma informação diferente e mais independente, sucedendo algo semelhante no semanário “Expresso”, conotado com uma ala mais liberal dos deputados da Assembleia Nacional – a atual Assembleia da República. Por seu lado, na própria televisão tinha havido alguns momentos de maior abertura política e cultural, como aconteceu no celebérrimo programa “Zip-Zip”, que deu a conhecer ao grande público alguns dos cantores da chamada “música de intervenção”, também chamados “baladeiros”, tais como: Francisco Fanhais, Manuel Freire, Pedro Barroso, entre outros. Também em alguns programas de rádio este espírito de uma ténue abertura permitida pelo regime se verificava, sendo os mais conhecidos dois programas emitidos pela Rádio Renascença: o “Página 1” e o “Limite”.
Tendo, naquela época, a comunicação social tanta importância, não é de espantar que os militares que fizeram a revolução de 25 de abril de 1974 os utilizassem para difundir as suas senhas – aquilo que seriam as ordens para o movimento avançar, com o “E Depois do Adeus”, emitida nos Emissores Associados de Lisboa, e a “Grândola, Vila Morena”, que foi transmitida pela Rádio Renascença, precisamente no programa “Limite”, tendo sido também através da Rádio, no caso, do Rádio Clube Português, que se transmitiram os comunicados que o MFA (Movimento das Forças Armadas) enviava à população; daí, esta rádio ficar conhecida por “Emissora da Liberdade”.
Mas, se todos se apercebiam da força deste poder, da força que um jornalismo interventivo podia ter para resistir, para alertar, para mobilizar, os poetas, mais que todos os outros, sabiam-no perfeitamente; e, um deles, Manuel Alegre, num texto premonitório, anunciou que seria através da rádio que Portugal iria “acordar” e celebrar a tão desejada liberdade:
“Que o poema seja microfone e fale
uma noite destas de repente às três e tal
para que a lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal.”
Agora, cinquenta anos depois, quando vemos a profissão de jornalista tão maltratada, quando assistimos ao definhamento de grandes órgãos de informação, quando somos inundados por falsas notícias cuja origem desconhecemos, nem sabemos bem os seus objetivos, será que não estamos a pôr em causa a nossa liberdade, os valores conquistados com a democracia, o nosso pensamento independente, não estamos a destruir aquilo que nos deveria esclarecer?
Será que não nos estamos a deixar adormecer num torpor resignado e inútil?
Fiquemos alerta e incitemos quantos nos ouvem com as palavras do poeta José Gomes Ferreira:
“Acordai!
Acordai, homens que dormis
A embalar a dor dos silêncios vis,
Vinde no clamor das almas viris
Arrancar a flor que dorme na raiz”.
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